quarta-feira, 04 de junho De 2025

A moda da bola tem data de validade e o planeta paga a conta

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Sabe aquela camisa do seu time do coração que já parece velha apenas um ano após o lançamento? Antes de jogá-la fora, pense no impacto ambiental por trás dessa decisão. O volume de resíduos gerado pelo mercado das camisas de futebol é alarmante. Tanto os produtos originais quanto os piratas têm seu peso no problema ambiental causado pela chamada “moda da bola”.

Vender camisas virou um gol obrigatório no mundo do futebol. O mercado global de roupas esportivas ligadas ao futebol movimentou 73,3 bilhões de euros (aproximadamente R$ 466,6 bilhões) em 2022, com projeção de atingir 101 bilhões de euros até 2028. A Europa deve representar 55% desse crescimento.

Dentro e fora dos estádios, as camisas de futebol se tornaram itens de moda e paixão. Quanto mais modelos lançados, melhor — ao menos para clubes, fornecedores e patrocinadores. Um exemplo é o Napoli, que lançou 13 modelos diferentes só na temporada 2021/22. Essa lógica alimenta um sistema de produção voltado ao crescimento constante. Mas a que custo?

Foto: Getty Images

O consumo de roupas esportivas deve crescer 63% até 2030. Só entre os 20 clubes mais ricos da Europa, as vendas de produtos licenciados representam entre 10% e 20% de suas receitas. O líder nesse quesito é o Real Madrid, que arrecadou 196 milhões de euros (R$ 1,2 bilhão) com uniformes em 2023/24, segundo a UEFA. A entidade, no entanto, não revelou o número de peças vendidas.

Top 5 clubes com maiores receitas de camisas:

  1. Real Madrid – 196 milhões de euros

  2. Bayern de Munique – 171 milhões de euros

  3. Barcelona – 171 milhões de euros

  4. Liverpool – 146 milhões de euros

  5. Manchester United – 146 milhões de euros
    Fonte: UEFA, 2024

No Brasil, o mercado de produtos esportivos originais movimenta cerca de 400 milhões de peças por ano, incluindo calçados, vestuário e acessórios. Em clubes da Série A, o processo de criação de um uniforme leva cerca de seis meses, desde o conceito até a fabricação final. Cada clube costuma lançar três modelos por temporada (1, 2 e 3), com cerca de 80 mil camisas produzidas por modelo — totalizando 240 mil novas peças anuais por clube. Para times com grandes torcidas, como Flamengo e Corinthians, esses números são ainda maiores.

Cada jogo movimenta em média 75 uniformes, e os jogadores costumam ficar com ao menos duas camisas. Além das de jogo, há também peças de treino, viagem, aquecimento e outras, compondo um “enxoval” que pode chegar a 30 mil itens anuais por clube.

No entanto, essa produção em massa gera consequências ambientais severas. Mais de US$ 500 bilhões (R$ 2,8 trilhões) em valor de produto são desperdiçados anualmente com peças descartadas sem uso ou reciclagem. Uniformes têm vida útil média de apenas 10 meses antes de serem substituídos.

O destino dessas camisas descartadas? Lixões e até fogueiras. Estima-se que 60% do material esportivo produzido por clubes e federações europeias seja jogado fora a cada temporada — o que representa cerca de 3,6 milhões de itens. O mesmo ocorre com o vestuário dos torcedores.

As camisas, em sua maioria, são feitas de poliéster — um derivado do petróleo que não é biodegradável. Com o descarte massivo, milhões de toneladas desses materiais acabam em aterros ou nos oceanos, liberando microplásticos e intensificando a poluição global.

“A indústria da moda é uma das mais poluentes do mundo. Utiliza energia não renovável e materiais sintéticos. Os modelos mudam todo ano, e os antigos são descartados de forma brutal. É um ciclo tóxico: produção, consumo e descarte”, explica Carol Rosignoli, especialista em moda sustentável.

Só no Reino Unido, 100 mil toneladas de roupas esportivas vão parar em aterros sanitários anualmente. São 951 camisas jogadas fora por minuto. Segundo a organização Green Football, estender a vida útil de uma camisa por apenas nove meses pode reduzir o impacto ambiental em até 30%.

A campanha “Great Save”, promovida pela Green Football, buscou engajar clubes, jogadores, emissoras e torcedores para reduzir o descarte de camisas na Inglaterra. Uma pesquisa revelou que 49% dos torcedores raramente ou nunca usaram as camisas que compraram. Um terço parou de usá-las por não servirem mais, e 13% por o jogador estampado ter deixado o clube.

Por outro lado, 26% guardam camisas por valor sentimental, e 22% estariam dispostos a manter as peças caso soubessem como doá-las adequadamente. Para quase metade dos entrevistados, reformar a camisa ajudaria a evitar o descarte.

Profissionais da indústria afirmam que poliéster e náilon ainda são necessários, pois garantem resistência, leveza, durabilidade e secagem rápida. Mas consumidores vêm cobrando mudanças. Das grandes marcas, apenas a Nike respondeu com dados sustentáveis: quer reduzir 70% das emissões em suas instalações até 2025 e diminuir 10% dos resíduos por unidade produzida. A Adidas reportou 5,3 milhões de toneladas de CO₂ equivalente em 2024 e planeja usar 10% de poliéster reciclado até 2030. A Puma afirma que 90% de seus produtos hoje contêm materiais reciclados ou certificados.

Além do impacto ambiental dos produtos originais, a pirataria é outro problema sério. Segundo a Associação pela Indústria e Comércio Esportivo (Ápice), o mercado pirata de vestuário, calçados e acessórios causa prejuízo anual de R$ 20 bilhões no Brasil, impede a arrecadação de R$ 5 bilhões em impostos e deixa de gerar 40 mil empregos formais.

Em 2023, das 57 milhões de camisas vendidas no Brasil, 17 milhões eram piratas — cerca de 30% do total. O crescimento ocorre principalmente no meio digital. Clubes como Flamengo, Athletico-PR e Internacional removeram 300 mil anúncios ilegais entre 2024 e 2025, com apoio de empresas especializadas.

Importar, vender ou distribuir produtos falsificados pode gerar penas de dois a quatro anos de prisão. Muitas dessas camisas vêm da Ásia, associadas a condições de trabalho degradantes, como trabalho infantil ou exploração.

Além disso, o dano ambiental é ainda maior: as camisas piratas usam tecidos de baixa qualidade, corantes tóxicos e processos sem controle ambiental.

“A produção de camisas falsificadas agrava a poluição. Para reduzir custos, utilizam-se materiais sintéticos baratos e processos químicos perigosos, prejudicando o ambiente e o consumidor”, destaca Flávio Meirelles, advogado e membro do Conselho Nacional de Combate à Pirataria.

Carlos Augusto
Carlos Augusto
Sou jornalista, pós-graduado em Gestão da Comunicação Digital e Mídias Sociais, com graduação em Jornalismo e formação técnica em Administração. Minha carreira em Comunicação é marcada pelo desenvolvimento de habilidades em pesquisa, apuração de fatos, controle e elaboração de relatórios, além de criação de conteúdo voltado tanto para comunicação externa quanto interna.Ao longo da minha trajetória, atuei no desenvolvimento de pautas e redação de matérias, criação de conteúdo visual e apoio em campanhas de endomarketing. Nessas funções, minha dedicação à precisão e à responsabilidade na transmissão de informações tem sido uma constante.

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